Deus nos reconciliou para vivermos solidariamente - começo da quaresma

A tempo quaresmal se abre como um tempo de concentração e de busca do essencial, como um convite a voltar a Deus de todo o coração, a vencer a tendência à fragmentação e à indiferença, a verter todas as as energias para o único objetivo realmente decisivo: acolher a oferta da reconciliação que o próprio Deus nos faz; refazeras relações fraternas e avançar na construção de uma sociedade justa; e, neste ano, enfrentar e superar aglobalização da indiferença e assumir sem reticências a luta contra o tráfico de pessoas humanas.

Escrevendo aos cristãos de Corinto, Paulo sublinha que o próprio Deus toma a iniciativa de refazer a aliança e consertar a ruptura que provocamos com a sua vontade: em Jesus Cristo, ele reconcilioudefinitivamente o mundo e cada um de nós consigo. É deste dom incondicional, desta amizade reatadaunilateralmente, que brota para nósa exigência de reconciliação com o Pai e com os irmãos e irmãs. E isso não é algo secundário, mas uma tarefa essencial. É coisa para hoje, para agora!

A tradição das comunidades cristãs privilegiou três ações para expressar a mudança de direção e a convergência das forças: a esmola, a oração e o jejum. Mas, em relação a estas práticas de piedade, Jesus Cristo pede vigilância e auto-crítica, pois nem mesmo estas ações estão livres da falsificação e do faz-de-conta. Por mais piedosos que pareçam, estes gestos podem ser motivados apenas pela busca de aprovação, de estima e de reconhecimento e, então, nos afastam da lógica de Deus, pois ele aprecia aqueles que o mundo não vê, aquilo que fica escondido...

Em relação à esmolaJesus não a descarta, mas também não se entusiasma ingenuamente. Defato, elequestiona a motivação e a disposição com as quais costumamos dar esmola. “Não mande tocar trombeta na frente... Que a sua mão esquerda não saiba o que a sua direita faz.” O sentido autêntico da esmola é asolidariedade e a partilha daquilo que temos com as pessoais mais necessitadas que nós. Mais que dar daquilo que sobra ou não faz falta, trata-se de partilhar aquilo que é fruto da terra e do trabalho da humanidade e, por isso, não pode serprivatizado.

Para a maioria das religiões, aoraçãoé uma expressão de fé e de comunhão com a divindade. Não faltam grupos e pregadores que insistem na necessidade de rezar muito, de multiplicar terços, ladainhas, missas e promessasMasJesus insiste mais na qualidade e na motivação que na quantidade da oraçãoPara ele, aoração é abertura radical a Deus e à sua vontade;superação dos estreitos limites dos nossos gostos, preferências e necessidades; diálogo íntimo e amigo com Aquele que quer nosso bem e que não descansa enquanto todos os seus filhos e filhas não estejam bem.

Hoje ojejumestá na moda, e recebe o simpático nome de dieta. Quem a pratica está muito preocupado consigo mesmo  com a saúde ou com a aparência – e pouco interessado com a compaixão e a partilha. No tempo de Jesus, muitas pessoas usavam o jejum, sinal de arrepedimento e de mudança, para impressionar os outros e aumentar a influência e o poder sobre eles.Como cristãos, precisamos resgatar o sentido pedagógicodo jejum: fazer experiência da própria vulnerabilidade e participar solidariamente dasnecessidades dos nossos irmãos e irmãs.

Na espiritualidade quaresmal, o jejum, a esmola e a oraçãoestão a serviço do nosso fortalecimento para combater todas as formas de mal, da nossa conversão ao tesouro inegociável do reino de Deus, darenovação da nossa vida em todas as suas expressões. E isso se mostra cotidianamente na abertura humilde e reverente a Deus,  na consciência da nossa interdependência em relação aos nossos irmãos e irmãs, na luta permanente para superar nossa surdez, nossa cegueira e nossa indiferença frente às dores e dramas que muitos deles vivem.

Ó Deus, tu sempre ouves o clamor do teu povo e mostras compaixão com os oprimidos e escravizados. Faz que experimentemos a liberdade que nos vem da participação na cruz e na ressurreição de Jesus, da vida transformada em dom. Nós te pedimos pelas pessoas que sofrem o flagelo do tráfico humano. Converte-nos pela força do teu Espírito, para que evitemos a globalização da indiferença e sejamos sensíveis às dores e sofrimentos deles. Comprometidos na luta pela superação deste mal, queremos viver como teus filhos e filhas, na liberdade, na solidariedade e na paz. Assim seja! Amém!

Pe. Itacir Brassiani msf

 

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