Se Deus é amor infinito por que Ele precisa de nossas consolações?

No caminho dos grandes autores místicos, como Santa Teresa de Jesus, lemos que o amor consiste "numa total determinação e desejo de contentar a Deus em tudo, em procurar, o quanto pudermos, não ofendê-lo" [1], isto é, Deus espera de nós que o agrademos, a fim de reparar as ofensas que atingem o Seu Coração. Ora, como é possível que Deus seja "carente" de nossas consolações, por assim dizer?

Estamos diante do mistério da amizade. Algumas pessoas dizem que, enquanto a melhor forma de amor é a caridade, a amizade lhe seria inferior: a primeira, o amor desinteressado, sem esperar nada em troca, seria superior à segunda, a amizade, na qual existem as realidades da recompensa e da reciprocidade. Na verdade, essa visão, que tem seu valor filosófico, uma vez colocada dentro do mistério cristão, precisa ser transformada. Santo Tomás recorda-nos justamente que "a caridade é amizade do homem com Deus" [2]. Porque, por mais que queiramos amá-Lo de forma desinteressada, foi Ele quem nos amou primeiro, não sendo o nosso amor senão resposta à iniciativa divina. Por isso, Jesus diz aos seus discípulos: "Já não vos chamo servos, (...) mas chamei-vos amigos" [3].

Então, Deus quer a nossa amizade. Toda a nossa vida cristã consiste em redamare, amar de volta, em gratidão para com o amor infinito com que Ele já nos amou. Isso se torna bastante concreto na passagem do Horto das Oliveiras: ali, Deus feito homem, o próprio Amor encarnado, quer ser consolado pelos seus discípulos. Em Mc 14, 32s, Jesus confidencia a Pedro, Tiago e João: "A minha alma está numa tristeza mortal". E, mesmo se retirando para orar, ele levanta-se por três vezes, durante a oração, e desperta os apóstolos, insistindo que rezem com Ele. Trata-se de um grande mistério: Jesus, que passava, sozinho, noites inteiras em oração, de repente, parece não conseguir rezar sem interrupções. Revela-se, especialmente neste trecho, a face de um Deus que quer a nossa amizade e a nossa consolação.

Mas Ele não quer a amizade do homem por "carência", mas exatamente porque responder ao Seu amor como amigo é o que de mais extraordinário pode acontecer ao ser humano. É por amar-nos infinitamente e desejar a nossa salvação que Deus quer que O amemos.

Referência
Santa Teresa de Jesus, Castelo Interior ou Moradas, Quartas Moradas, capítulo 1, n. 7. In São Paulo: Paulus, 2014. p. 75
Suma Teológica, II-II, q. 23, a. 1
Jo 15, 15

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