Entrevista com Padre Fábio Ciardi

Padre Fábio Ciardi

"Os carismas são o Evangelho vivo, que se faz carne ao longo da história de Igreja"

Nesta semana o portal cancaonova.com traz a você a coletiva de imprensa com o padre italiano Fábio Ciardi1, membro da Congregação dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada, que esteve na sede da Comunidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP), para conduzir a Escola para Formadores. O evento aconteceu de 5 a 8 de julho e teve a participação de formadores e fundadores de várias das Novas Comunidades espalhadas pelo Brasil.

No áudio abaixo você confere, na íntegra, este depoimento.







cancaonova.com: Quais os principais propósitos e como se pode evangelizar a partir do conceito de comunidade?


Padre Ciardi: Partimos do exemplo da primeira comunidade, que é a comunidade de Jerusalém, porque todas as outras comunidades  são um espelho desta. O livro dos Atos dos Apóstolos relata que todos os cristãos eram um só coração e uma só alma. Existem quatro relatos que descrevem como a comunidade vivia unida e como ela crescia. Isso tem uma relação muito estreita entre como uma comunidade vive e como evangeliza. Antes de ser um anúncio, a evangelização é um testemunho, ou seja, o que verdadeiramente evangeliza é a minha vida, mas não só minha vida pessoal, mas a vida em comunidade, porque vendo a comunidade a pessoa já vê o efeito da obra de Cristo. O que Jesus veio fazer na terra? Ele veio refazer a família dos filhos de Deus. Então quem vê uma comunidade diz: “É possível viver juntos, é possível perdoar-se, é possível viver o amor recíproco, é possível viver a fraternidade”. Então a mensagem de Jesus Cristo é verdadeira, o que Ele fez é verdadeiro. Penso, então, que o primeiro anúncio de uma comunidade é a comunhão.


cancaonova.com: Que relação o senhor faz com os carismas, variados e diferentes no seio da Igreja, que é Una, e com a Trindade, que é formada por três Pessoas diferentes, mas Una em Sua natureza?

Padre Ciardi: O Pai diz uma única Palavra na Trindade: o Verbo, que é a Palavra. Deus diz uma Palavra só, e naquela Palavra o Senhor se dá inteiramente. Quando o Verbo vem à terra Ele diz muitas palavras, mas Ele mesmo é uma só Palavra. Então por que o Verbo, quando se encarna, diz a nós muitas palavras? Para se fazer compreender por nós. A única Palavra se abre em tantas palavras. O amor de Deus se faz compreender e para isso usa nossa linguagem. Jesus, para nos fazer compreender que Deus é amor, diz muitas parábolas, como a do Filho Pródigo, como a Palavra que diz que o Pai do céu cuida das aves do céu e veste os lírios do campo, outra que diz: ''Vocês, mesmo sendo maus, sabem dar coisas boas aos seus filhos, quanto mais o Pai, que está no céu, dará o Espírito Santo aos que lho pedirem!'' (Lc 11, 13). Bastava Jesus dizer só uma palavra: Deus é amor. Mas para se fazer entender usou muitas outras palavras, e aí nós temos o Evangelho. O Evangelho é a Palavra de Jesus, que se desdobra em tantas outras palavras. Que relação eu faço com os carismas? São as várias palavras de Jesus, as quais se tornam vida ao longo da história da Igreja. 

A primeira Palavra que se abre é "ame a Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma" e, assim, nasce o monaquismo. Jesus diz "Ide pregar o Evangelho, não leveis coisa alguma para o caminho, nem bordão, nem mochila, nem pão, nem dinheiro, nem  tenhais duas túnicas [...]" (Lc 9, 3), ou seja, sejam livres. E assim nasce São Francisco e a ordem franciscana. O Senhor diz "Eu estava enfermo e foste me visitar. Tudo o que fizerdes a estes pequeninos, foi a Mim que o fizestes" e assim nasce São Camilo de Lélis, que cuida dos doentes. Jesus diz “Eu estava com fome e me destes de comer” e assim nasce São Vicente de Paulo. Então, se nós olharmos para a história da Igreja - olhando para todas as ordens religiosas que nasceram - nós percebemos que cada uma delas é uma palavra do Evangelho que se fez carne. A história da Igreja é o Evangelho, que se torna vida, é Cristo que se revela ao longo dos séculos. Cada palavra é o amor de Deus, mas traduzida em várias palavras para se fazer compreender, no entanto, a substância é a mesma. Assim são os carismas, as Ordens Religiosas, as Novas Comunidades, são diferentes uns dos outros, porque cada um expressa algo do Evangelho, um aspecto do mistério de Jesus, porém, por trás de tudo são todos iguais, porque todos são Jesus, todos são Evangelho, todos são amor. Então, como o Evangelho é um, mas feito de tantas palavras, assim é a Igreja, é una, mas feita de tantas palavras vivas. E daí temos os oblatos de Maria Imaculada, os jesuítas, os franciscanos, a Canção Nova; isso é que faz a beleza da Igreja. Se existisse uma multidão e todos estivessem vestidos de vermelho... que tristeza! Se tivéssemos um jardim só com margaridas... que tristeza, porque um jardim é belo pela variedade de flores. Uma multidão é bonita quando há velhos, crianças, jovens, com roupas diferentes. Assim é a Igreja, ela é bela porque possui vários carismas.

cancaonova.com: Nós poderíamos, então, dizer que ser santo é viver junto com os outros e para os outros?


Padre Ciardi: Jesus disse "Sede perfeitos como é perfeito vosso Pai dos céus". Cristo, quando nos fala da santidade e da perfeição, nos mostra o Pai, mas na Sua forma de amar e não para sermos perfeitos como na Onipotência ou Onisciência de Deus. Disse “sejam perfeitos como o Pai vive o amor”, e a característica do amor do Pai é que Ele ama a todos: bons e maus. Por essa razão, para ser santo eu preciso amar a todos: bons e maus, amigos e inimigos. Depois, a segunda característica do amor do Pai é que Ele ama primeiro, como diz São Paulo “ainda quando éramos pecadores, Deus nos amou primeiro”, ou seja, não é que o Pai espera que O amemos primeiro, é Ele que dá o primeiro passo. Então "Ser perfeito como o vosso Pai do céu é perfeito" quer dizer que eu também devo amar primeiro, que eu também devo dar o primeiro passo, não amar apenas quem me ama, pois isso é fácil. Eu devo amar primeiramente aqueles que não me amam, porque a força do meu amor fará com que o outro também ame. Uma terceira característica do amor do Pai é que Ele ama sempre, é a Sua natureza. De que maneira o Pai ama? Dando-se a si mesmo, ou seja, Ele gera o Filho e se doa totalmente ao Filho.

Vocês já se perguntaram por que na Trindade são somente Três Pessoas e não quatro? Por que Deus tem só um Filho? Qual a diferença entre Deus e uma mulher? Quando uma mulher tem um primeiro filho ela diz “você é minha vida, eu te dou toda a minha vida”. Mentira! Porque quando nasce um outro filho o primeiro não era toda a sua vida, ela agora vai dar uma outra parte de sua vida para o segundo filho e vai dizer como disse para o primeiro “você é toda a minha vida.”. Mentira! Pois quando vier o terceiro filho ela tem mais vida para dar. Agora, quando o Pai do céu diz na Sua Palavra: “Tu és Meu Filho, hoje Eu Te gerei”, Ele está dizendo “Você é toda a Minha vida!”, Ele diz a verdade, não sobra nada para dar a outro Filho, por isso nós dizemos na profissão de fé: “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro”, ou seja, o Filho é todo o Pai, Ele recebeu tudo do Pai, então quando eu amo devo dar tudo. Isso é para dizer que ser santo é ser como Deus, que ama se doando por inteiro, por primeiro e sempre.


cancaonova.com: Quais as atitudes que as Novas Comunidades devem ter para não caírem na tentação de viver uma vida à parte da vida da Igreja?

Padre Ciardi: É sempre um perigo que se tornem uma seita, mas não é só hoje, isso também está na história da Igreja, até no monaquismo houve desvios. A primeira regra do monaquismo foi escrita por Santo Atanásio, a qual poderíamos responder com uma história. Santo Antão do Deserto fez uma experiência com Deus e deixou tudo, foi para o deserto e, como ele, muitos outros homens largaram tudo e também foram para o deserto, mas cada um vivia o Evangelho do seu jeito, por isso, existia o perigo de se ter uma vida fora da vida da Igreja. Naquela época, no Egito, havia só uma diocese, a de Alexandria, e o bispo era Santo Atanásio. Ele viu como crescia este estilo de vida e pensou numa regra, mas ele não escreveu uma regra, ele escreveu a vida de Santo Antão e a colocou como proposta para um modo de vida de todos os monges. Isso já mostrava que um bispo tinha o poder de ligar a ele todos os monges, para que estes não fossem independentes, mas sim, ligados à Igreja. Penso que esta é a primeira regra: sentir a necessidade de estar ligado ao bispo.

A primeira coisa que deve fazer uma Nova Comunidade é se apresentar ao bispo e dizer: "Olha, nós nascemos espontaneamente na Igreja, é o Espírito que nos fez nascer" e o bispo, que tem o dom de reconhecer os carismas, os reconhece ou não como “filhos”  dele. Geralmente o bispo coloca-os à prova, e só depois diz: “Sim, aqui está a mão de Deus” e neste momento acolhe o carisma na sua comunidade eclesial. É preciso que haja este contato constante com o bispo, porque todo carisma vai ter um trabalho, uma missão específica dentro da Igreja. E o bispo deve ter a consciência de que os carismas são para edificar e construir a Igreja. Para construir uma casa são necessárias muitas pessoas com especialidades diferentes: o engenheiro, o pedreiro, o eletricista, o encanador; eu não posso pegar o eletricista e dizer “faça uma parede”. Da mesma forma, a Igreja é a casa de Deus, para construí-la são necessários muitos trabalhos diversos e, assim, são os carismas, cada um deve fazer o seu trabalho. 
1Padre Fabio Ciardi, teólogo, é docente no Instituto de Vida Religiosa Claretianum, em Roma. Membro da Congregação dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada, é conhecido pela sua atividade de animação entre religiosos e religiosas na Itália e em outros países, e pelas suas numerosas publicações. É o autor do estudo Koinonia. Itinerário teológico-espiritual da Comunidade religiosa (1993). Além disso, o seu livro Os fundadores, homens do Espírito. Para uma teologia do carisma de fundador (1982), traduzido em várias línguas, foi o estudo que inaugurou a profunda reflexão sobre o tema do carisma dos fundadores. Desde 1995, é consultor da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Desde 1991, trabalha com o Movimento dos Focolares, na Secretaria Internacional dos religiosos. Atualmente, é responsável pelo ramo dos religiosos.

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