Evangelizar é serviço precioso à fé, explica Arcebispo

L'Osservatore Romano
(tradução de Leonardo Meira - equipe CN Notícias)


Arcebispo Fernando Filoni: ''A evangelização sempre favorece o desenvolvimento dos povos''
A missão evangelizadora da Igreja é particularmente recordada e celebrada em outubro, tradicionalmente considerado o Mês Missionário.

Congregação para a Evangelização dos Povos, ouPropaganda Fide, faz parte da Cúria Romana - organismo central que reúne os departamentos, conhecidos como dicastérios, que auxiliam o Papa na missão de guiar a vida da Igreja no mundo - e cuida particularmente da primeira evangelização, ou seja, do anúncio do Reino nos países em terras de missão, como as jovens igrejas da África, Ásia e Oceania.

Nesta entrevista exclusiva ao jornal oficial do Vaticano, o prefeito da Congregação, Arcebispo Fernando Filoni, fala sobre os desafios de sua função; a interação com outros dicastérios da Santa Sé; a próxima viagem que Bento XVI fará ao Benim, na África, em novembro; a presença cristã em países de maioria islâmica e onde cresce a agressividade e o fundamentalismo de seitas religiosas.

Dom Filoni está à frente da Congregação há pouco mais de 100 dias e é enfático ao afirmar: "A evangelização sempre favorece o desenvolvimento dos povos".


L'Osservatore Romano: 1º de outubro marca o início do mês missionário, que coincide também com aquele mariano. Quais significados assumem hoje este importante evento na ótica evangelizadora?
Dom Fernando Filoni: Trata-se de um acontecimento anual que, há muitas décadas, envolve toda a Igreja, antes de tudo no plano da oração e, depois, naquele da solidariedade pela missão evangelizadora. Para o mês missionário deste ano, o Papa quis confiar à reflexão dos cristãos uma belíssima mensagem que tem por título "Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós"; com relação a essa, gostaria de sublinhar três pontos que me parecem significativos. O primeiro diz respeito ao compromisso que deve levar todos os cristãos ao anúncio do Evangelho;enquanto batizados, de fato, temos um dever preciso, aquele de anunciar o Evangelho; trata-se de levar a sério o mandamento que Jesus, após a ressurreição, dá aos seus apóstolos e a todos os crentes. Portanto, os primeiros destinatários da vocação missionária são os batizados, seguidos pelos sacerdotes e os bispos. O segundo aspecto refere-se ao serviço. Evangelizar é o mais precioso dos serviços que nós podemos dar à nossa fé; diria também o mais belo, porque, para um cristão, anunciar o Evangelho significa responder à vontade de Jesus. Evangelizar, ao mesmo tempo, é serviço à sua Igreja, mas também serviço a cada pessoa em particular, porque ajuda a recuperar uma dimensão, aquela horizontal, que completa o sentido das nossas relações humanas. Enfim, o terceiro ponto: salienta-se que o anúncio do Evangelho vivifica a Igreja no seu interior, fortifica o fervor, renova o compromisso no mundo e a incentiva a adequar-se na metodologia e no zelo.


LOR: Esse importante evento, para o senhor, assume um significado particular: os seus primeiros cem dias à frente do dicastério de Propaganda Fide.
Dom Filoni: 
Esses primeiros meses serviram para colocar o foco no serviço que fui chamado, pelo Santo Padre, a dar neste dicastério. Até agora, busquei aprofundar-me no conhecimento e tomar parte da enorme quantidade de trabalho que aqui se desenvolve. Ainda que não se tratasse para mim de coisas totalmente novas – o serviço da Santa Sé nas representações pontifícias, de onde venho, habitua-nos a tratar com as problemáticas missionárias em campo –, era, contudo, necessário adquirir a metodologia com que se move o serviço que a congregação concretiza nos territórios de missão. Isso, então, permitiu-me ter uma abrangência de visão que eu acredito fundamental no serviço às jovens Igrejas, particularmente na África, Ásia e Oceania. Trata-se de um serviço belíssimo que traz profunda alegria e entusiasmo. Levar o Evangelho a todos os povos é um trabalho belíssimo.


LOR: Um belo trabalho que, contudo, comporta notáveis problemáticas a se afrontar.
Dom Filoni:
 Os problemas indicam a variedade de situações. Portanto, foi necessário pensar em um plano de trabalho que a nossa congregação deveria ter como referência. Gostei, desde o início, em pensar sobre o meu serviço neste dicastério com a imagem que o Santo Padre tinha oferecido durante a sua viagem apostólica a Veneza: falou da fé como de um estaleiro aberto; e nós aqui gostaríamos de ser exatamente como um estaleiro onde preparam-se os barcos para a missão evangelizadora no mundo. Mas trata-se efetivamente de um serviço complexo, com muitos aspectos a se considerar.



LOR: Por exemplo?
Dom Filoni: 
Quando os bispos vêm até nós, por ocasião das visitas ad limina, damo-nos conta profundamente daquilo que somos chamados a fazer pelas Igrejas missionárias, ajudando-as nas suas obras de evangelização. Damo-nos conta, por exemplo, da necessidade de apoiar eclesialmente e materialmente os bispos, para encorajá-los nas problemáticas que, cotidianamente, devem afrontar; algumas vezes, trata-se de iniciar a obra de evangelização, em outras, de apoiar as comunidades já evangelizadas, para resolver problemas relacionados com a formação de vocações, de como lidar com as outras religiões, como garantir a educação das crianças ou as necessidades humanas das pessoas em gravíssimas dificuldades; devemos ter o cuidado de assegurar uma presença mais qualificada da Igreja em determinadas áreas, como com a redução de territórios muito grandes, criando novas dioceses, para que estimulem de forma mais eficaz o trabalho de evangelização.



A formação de vocações é uma das problemáticas em que a orientação da Propaganda Fide aos Bispos de territórios de missão é vital
LOR: E do ponto de vista social?
Dom Filoni: 
A evangelização sempre favorece o desenvolvimento dos povos. É uma perspectiva que não deve ser subestimada: a proclamação do Evangelho traz e cria solidariedade. Por essa razão, embora a evangelização seja o nosso primeiro objetivo, propomo-nos sempre promover a solidariedade com as pessoas que vivem nos territórios de missão, partilhando e compreendendo as suas necessidades humanas, sociais e materiais. A evangelização também acontece sempre em um contexto de desenvolvimento. Pensemos na escolarização, primária e secundária, e nas universidades dependentes da autoridade eclesiástica, na assistência sanitária através das tantas unidades espalhadas em lugares isolados e distantes dos centros de assistência pública, quando, não raro, esquecidos por todos. Mas não deve ser subestimado o apoio moral que leva a tantas pessoas com a proclamação do Evangelho, que permite a tantas pessoas viver com mais dignidade. O que dizer sobre a promoção da justiça? Difundindo os princípios do Evangelho, necessariamente, fala-se de justiça, da qual os nossos territórios precisam tanto. O compromisso missionário favorece o nosso conhecimento de grupos étnicos e de populações distantes, ricas de tantos valores. Muitas pessoas são fascinadas por documentários sobre a vida de povos distantes, bem como pela beleza das terras em que vivem. Isso faz valorizar as culturas, as realidades diversas das nossas civilizações e desenvolve a solidariedade. Quantas ONG's hoje trabalham com os missionários na promoção humana e social! A evangelização, gostaria de acrescentar, promove também a ecologia, garantindo que o ambiente seja conhecido e respeitado, tanto pelas populações locais, quanto pelos de fora.


LOR: A missão evangelizadora comporta sinergias com os outros dicastérios da Santa Sé, sobretudo com aquele especialmente desejado pelo Papa, para a nova evangelização. Como isso acontece?
Dom Filoni:
 A primeira consideração a se fazer é que a nova evangelização está intimamente ligada com a primeira evangelização. A nossa congregação é dirigida à primeira evangelização e esse é o primeiro compromisso a nós confiado durante os séculos pelos Sumos Pontífices. Mas esse conceito precisa agora ser integrado. Nos territórios em que a primeira evangelização já conta séculos ou décadas de vida, levanta-se a questão da re-evangelização; portanto, nota-se a necessidade de um aprofundamento da fé. Há, de fato, tantas situações em que nota-se que a fé ou é diminuída ou, por vezes, é quase perdida. Portanto, a nova evangelização diz respeito a nós ao menos para aquele percentual de vida eclesial que se refere às comunidades de mais antiga evangelização, mesmo que nos territórios de missão. Se a aparência da nova evangelização é mais evidente nos países de antiga tradição cristã, não falta nos territórios dependentes de nosso dicastério: além disso, o fenômeno da imigração gera agora a questão da primeira evangelização nos países de antiga tradição cristã, envolvendo diretamente a o compromisso das comunidades cristãs com relação aos recém-chegados. Trata-se, muitas vezes, de pessoas que se encontram vivendo entre nós, mas não conhecem a Cristo. Também esses têm direito ao conhecimento do Evangelho. Também deve ser dito que o entusiasmo dos recém-chegados em nosso meio é um estímulo favorável para as Igrejas de antiga tradição cristã. Como um dicastério missionário, olhamos com atenção, portanto, a atividade do dicastério para a nova evangelização; caminhamos juntos, ajudando-nos reciprocamente no serviço à Igreja e à humanidade.


Bento XVI durante sua visita a Camarões, em 2009
LOR: Em novembro, o Papa irá em visita pastoral ao Benim: uma ocasião para concentrar a atenção no continente da esperança. Por quê?
Dom Filoni: 
A África é um continente que tem uma história riquíssima, feita de altos e baixos. Naturalmente, vive problemas semelhantes, mas muitas vezes diferentes dos nossos. Há uma realidade humana a se olhar e à qual propor perspectivas de futuro. Infelizmente, muitas vezes as assim chamadas civilizações ocidentais olham para a África como um continente a se usar. Aqui, é claro, poderíamos fazer muitíssimas reflexões. Detenhamo-nos em uma única consideração: a um primeiro colonialismo não é preciso fazer seguir um segundo. Ao contrário, é preciso ajudar essas pessoas a contar com suas próprias capacidades e riquezas, a não se contentar com qualquer coisa de marginal, mas serem protagonistas do próprio desenvolvimento. Isso ajudará as pessoas, não somente a viver na própria pátria, mas também a valorizar o que têm. A partir da perspectiva da esperança cristã, eu diria que se começa a ver os frutos do compromisso da Igreja. Três anos atrás, o Papa foi aos Camarões, para responder às expectativas dos Bispos Africanos, que, mais de dez anos após o primeiro Sínodo, desejavam fazer um balanço da situação sobre o seu continente. Em novembro deste ano, o Santo Padre retornará, depois de um Sínodo que levou a África ao centro da atenção universal, para entregar o fruto desse trabalho, uma Exortação Apostólica. Nosso compromisso é que a África recupere o vigor espiritual, moral e econômico como protagonista de sua história. A Igreja lhe será próxima.


LOR: A difusão sempre mais acentuada do Islã e a não menos crescente agressividade do fundamentalismo e das seitas religiosas constituem um desafio. Como afrontar e responder a essa realidade?
Dom Filoni: 
Não se trata de um desafio somente dos Países de missão, porque existe em todo o mundo. A diferença do desafio está, em nossos territórios, nas diversidades das situações: uma coisa é ser uma minoria, uma outra é ser a maioria. Mas se a Igreja é estimada, é claro que é sempre capaz de influenciar em todos os lugares, até mesmo no mundo islâmico. Eu vivi muito tempo no mundo islâmico e pude constatar como as nossas escolas são frequentadas, por exemplo, por crianças muçulmanas, sinal de que as famílias apreciam e estimam os nossos serviços e, muitas vezes, pedem que os nossos princípios de justiça, verdade, bem sejam inculcados em seus filhos. A estima permite o diálogo e, com o diálogo, é possível a convivência pacífica para todos.


LOR: A missão da congregação nos diferentes territórios a ela sujeitos envolve uma série de compromissos que abrangem também a gestão concreta das atividades e iniciativas necessárias para se alcançar os objetivos fixados. Um campo de ação por vezes objeto de polêmicas midiáticas e instrumentais. Existem problemas objetivos nesta área e como pretende lidar com eles?
Dom Filoni: 
A Congregação de Propaganda Fide tem uma história de cinco séculos; nasceu da intuição de Gregório XIII, da visão de Clemente VIII – estamos em 1599 – e da inteligência de Gregório XV, que, em 1622, deu a sua configuração final. Portanto, tem uma longa história. E os cristãos sempre amaram essa instituição porque sabiam que tinha como missão principal a evangelização de todos os povos. A congregação, assim, reunia informações e notícias que verdadeiramente abriam o mundo a Roma e levavam Roma para o mundo. É natural que os cristãos, amando as obras evangelizadoras, tenham sido generosos para apoiá-las financeiramente. Assim, as ofertas e os bens que foram dados ao longo dos séculos para a Propaganda Fide tiveram essa originária finalidade, que nós, como congregação, somos chamados a respeitar. No entanto, posto que o trabalho de evangelização e promoção humana cresceram sempre mais, eis que se sentiu a necessidade de aumentar esses auxílios, os chamados "históricos", com as coletas do Dia Mundial das Missões e de outras iniciativas de que as Pontifícias Obras Missionárias são promotoras nacionais. De nossa parte, permanece um sério compromisso para que aquilo que é destinado à evangelização sirva para a evangelização; mas gostaríamos também que a generosidade dos nossos cristãos fosse sempre acompanhada por um grande amor pelas missões e por uma fervorosa e cotidiana oração pelos missionários e pelo anúncio do Evangelho.

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