Geraldo Trindade - bacharel em filosofia, estudante de teologia e mantém o blog PENSAR PARALELO (http://www.pensarparalelo.blogspot.com/ )
Contato: pensarparalelo@gmail.com
Quando
se fala de moral quer-se ter em vista a quem ela destina, qual a sua
finalidade. Por mais que ela se esforce em seu discurso não consegue
abarcar toda a complexidade do ser humano e menos ainda de todas as
realidades sociais. No caso da
Moral Social não bastam as análises econômicas, sociais; mas acima de
tudo a análise à luz do Evangelho, que é o próprio Cristo: ensinamentos e
práxis.
“Toda
ética abstrata leva-nos a uma ética concreta. Não se pode e não se deve
dizer uma vez por todas o que é bom, mas só isto: como Cristo toma
forma aqui hoje.”[1]
Quando
se fala em paz, quer saber que tipo de paz, pois são múltiplas e
divergentes as concepções de paz e diversos os caminhos e instrumentos
indicados para consegui-la. Para agravar, concebe-se erroneamente a paz
como ausência de guerra.
No
universo da paz há uma gama de conceitos. Há a difusão da paz
divorciada da exigência de justiça; como aniquilamento do inimigo
baseando-se no poderio das armas. Existe a paz diplomática e política.
Mas, o ideal de paz é a paz positiva, onde cresça a justiça, o respeito
aos direitos das pessoas e dos povos a partir da não-violência.
O
papel do cristão deve ser o de promover essa paz. E no longo processo
da história, eles sempre foram protagonistas conscientes caracterizados
pela paz e não-violência.
Todas as pessoas aspiram por segurança e o estado tem o dever de zelar e criar mecanismos para que ela se concretize.
A
história da humanidade é caracterizada pelo espírito conflitivo. Desde a
remota antiguidade os seres humanos se esforçam constantemente para
administrar pacificamente sua convivência. O conflito e a violência só
são realidades possíveis pela presença da agressividade no ser humano.
A palavra violência vem do latim violentia, que tem como elemento definidor o caráter da força.[2]
R.
Domergué sendo citado por Vidal para explicitar o termo violência
afirma: “A violência é sempre violência de alguém ( pessoa ou grupo).
Sempre se exerce contra alguém ( pessoa ou grupo). Tem um rosto preciso,
o dos instrumentos ou das técnicas que utiliza. Insere-se numa situação
histórica determinada. Toda dissertação da violência que se conformasse
em considerá-la abstradamente, sem se deter nessa característica, peca
por irrealismo e se converteria em mera manipulação de princípios
gerais.”[3]
A
violência está presente em um determinado contexto histórico e ela se
manifesta sob diversos meios, podendo ser classificados por alguns
tipos:
- estrutural: é a violência repressiva ou coativa exercida pelas forças do poder político.
-
de resistência ou rebelião: organizada em torno do combate às situações
pessoais ou estruturais que se julguem injustas e opressivas.
- bélica: utilizada partindo de uma pretensa legitimidade sócio-jurídica; manifesta-se através da guerra.
- subversiva ou terrorista: quando persegue o fim da desestabilização.
No
Brasil, a violência sempre foi uma constante. A colonização foi marcada
pela violência, pelo desrespeito dos colonizadores com os colonizados,
em especial índios e negros. Esse passado de conflitos deixou heranças
que geraram esse espírito de desconfiança e medo. As marcas estão
presentes nas mortes de jovens, em grupos de extermínios, que atuam sob
interesses escusos.
Tudo isso são marcas de conflitos, ou seja, quando a paz não consegue estabelecer suas raízes no coração humano.
Para
aplacar esse espírito indômito de violência as leis e constituições
surgiram como necessidade de determinação precisa da participação de
cada ator na defesa e na administração das questões comuns. “O conflito é
basicamente o confronto entre duas posições diferentes que buscam a
conquista da hegemonia.”[4]
Ele se torna um mal quando é encarado de forma radical, imatura, sem
diálogo, assim, gera a violência. Os conflitos são originados a partir
da própria interioridade da pessoa humana que se descobre limitada e
ambígua, da hierarquia de valores pessoais estabelecidos pelo indivíduo e
a não satisfação das necessidades pessoais e comunitárias. Em um
contexto tão volátil, os conflitos são os mais diversificados. Eles são
de ordem pessoal, familiar e social.
“Esses
conflitos podem se transformar em ações violentas quando houver a
‘utilização intencional de força ou poder físico por ameaça ou de fato
contra si mesmo, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade
que resulta em ou tem alta probabilidade de resultar em ferimentos,
morte, dano psicológico, mau desenvolvimento ou privação’, podendo se
manifestar também em agressões sexuais.”[5]
A
paz é um valor universal que deve ser cultivado nos corações humanos,
pois encontra suas raízes no próprio coração de Deus. Como a paz, a
moral tem como alvo todos os homens e mulheres de boa vontade. Para que
essa realidade se torne realidade existem dimensões[6] necessárias:
- “conversão à verdade da paz” (GS, 77) como obra de justiça, ação permanente e fruto do amor.
- atitudes de paz em cada homem em cada grupo.
- estratégias de paz que levem a uma realidade plena de paz.
Desponta
a atitude de tolerância, que não é meramente passividade como retirada
do conflito, mas no sentido de negociação como um valor a se conquistar,
um caminho em direção à solidariedade, como uma forma de administrar os
conflitos em busca de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna.
Gradualmente
constrõe-se a paz, que exige conversão constante. O que cada vez mais é
difícil é este estabelecimento de diálogo com o mundo, pois a afirmação
do forte dom do shalom, da paz não é reconhecido como um processo íntimo e pessoal.
Häring
afirma que a paz é o centro de toda a cultura e de toda a vida em todas
as sociedades. “No centro da ética da cultura, estará o objetivo de
cultura não-violenta, sadia, orientada para a paz em todas as suas
dimensões. (...) De fato, toda a ética social e econômica terá como
chave o shalom: dom e tarefa.”[7] Dom, porque a paz provém não das forças humanas, mas ela é dom
de Deus, que é o verdadeiro doador dessa graça e é tarefa, enquanto
após a acolhida desse dom se torna responsabilidade de cultivá-la e
estabelecer relações fraternas, de paz.
O
cristão age na edificação da paz tendo como critério de ação o
mandamento novo: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei.” (Jo
15,12) A construção da paz será possível conforme o direcionamento dado
por Jesus, “que dá à palavra amor o seu mais profundo significado: o
amor transformado em ação, em gesto concreto, esvaziamento de si,
entrega, reconciliação, serviço, oblação, gratuidade.”[8]
Certamente,
a cruz do Ressuscitado direciona para um caminho possível para seus
seguidores, que deverão se caracterizar pelo perdão aos inimigos e pelo
processo constante de reconciliação. Mas, a tarefa de realizar a paz de
Cristo na terra jamais pode ser considerada completa porque a paz nunca
se alcança de modo estável, mas é preciso construí-la constantemente
neste mundo ferido pelo pecado e pelos conflitos.
[1] Hubert LEPARGNEUR. Fontes da moral na igreja. Petropólis: Vozes, 1978, p. 14.
[2] Cf. Marciano VIDAL. Moral de atitudes. Trad. Ivo Montanhese. v.3. Aparecida: Santuário, sd, p.570 .
[3] Marciano VIDAL. Moral de atitudes, p. 571.
[4] CNBB. Texto-base da CF 2009, p . 30
[5] CNBB. Texto-base da CF 2009. Brasília: Edições CNBB, 2009, p . 32.
[6] Cf.: Marciano VIDAL. Moral de atitudes, p. 598-599.
[7] HÄRING, Bernhard. Teologia moral para o terceiro milênio, p. 157.
[8] CNBB. Texto-base da CF 2009, p. 86.
Comentários