No encerramento do “Ano da Fé” (30/6/67 a 30/6/68), em comemoração dos 1900 anos dos martírios de São Pedro e São Paulo, o Papa Paulo VI quis oferecer à Igreja a sua “Profissão de Fé”, que se chamou o “Credo do Povo de Deus”.
Muitas razões tornaram este Credo de Paulo VI de grande importância para a Igreja, sendo muito utilizado e citado nos documentos posteriores da Igreja.
Desde o início de sua vida apostólica, a Igreja elaborou o que passou a ser chamado de “Símbolo dos Apóstolos”, assim chamado por ser o resumo fiel da fé dos Apóstolos; foi uma maneira simples e eficaz da Igreja apostólica exprimir e transmitir a sua fé em fórmulas breves e normativas para todos. Nos seus Doze artigos, o Creio sintetiza tudo aquilo que o católico crê. Este é como que “o mais antigo Catecismo romano”. É o antigo símbolo batismal da Igreja de Roma.
Santo Ambrósio (340-397), bispo de Milão, doutor da Igreja, que batizou santo Agostinho, mostra de onde vem a autoridade do Símbolo dos Apóstolos, e a sua importância:
“Ele é o Símbolo guardado pela Igreja Romana, aquela onde Pedro, o primeiro dos Apóstolos, teve a sua Sé e para onde ele trouxe a comum expressão da fé” ( Expl. Symb.,7; PL 17, 1158D; CIC §194)
“Este Símbolo é o sêlo espiritual, a mediação do nosso coração e o guardião sempre presente; ele é seguramente o tesouro da nossa alma”. (Expl. Symb. 1: PL, 1155C; CIC §197)
Os seus doze artigos, segundo uma tradição atestada por Santo Ambrósio, simbolizam com o número dos Apóstolos o conjunto da fé apostólica.(cf. CIC §191)
A palavra grega “symbolon” significa a metade de um objeto quebrado (como por exemplo, um sinete que traz em baixo ou alto relevo um brasão), e que era apresentada como um sinal de identificação e reconhecimento. As partes quebradas eram então juntadas para formar um todo e identificar assim o seu portador. Portanto, o Símbolo da fé, o Creio, é a identificação do católico. Assim, ele é professado solenemente no Dia do Senhor, no Batismo e em outras oportunidades.
Por causa das heresias trinitárias e cristológicas que agitaram a Igreja nos séculos II a IV, ela foi obrigada a realizar uma série de Concílios ecumênicos (universais), para dissipar os erros dos hereges. Os mais importantes para definir os dogmas básicos da fé cristã, foram os Concílios de Nicéia (325) e Constantinopla I (381). O primeiro condenou o arianismo de Ário, que ensinava que Jesus não era Deus, mas apenas a maior de todas as criaturas; o segundo condenou o macedonismo, de Macedônio, patriarca de Constantinopla, que ensinava que o Espírito Santo não era Deus. Desses dois importantes Concílios, originou-se o Creio chamado Niceno-constantinopolitano, que traz os mesmos doze artigos da fé do Símbolo dos Apóstolos, porém de maneira mais explícita e detalhada, especialmente no que se refere às Pessoas divinas de Jesus e do Espírito Santo.
Além desses dois símbolos da fé, mais importantes, outros Credos foram elaborados ao longo dos séculos, sempre em resposta a determinadas dificuldades ou dúvidas vividas nas Igrejas apostólicas antigas. Por exemplo, temos notícia do Símbolo “Quicumque”, dito de Santo Atanásio (295-373), bispo de Alexandria; as profissões de fé dos Concílios de Toledo (DS 525-541), Latrão (DS 800-802), Lião (DS 851-861), Trento (DS 1862-1870), e também de certos Papas, como a “Fides Damasi” (DS 71-72), do Papa Dâmaso.
O Catecismo da Igreja nos assegura que:
“Nenhum dos símbolos das diferentes etapas da vida da Igreja pode ser considerado como ultrapassado e inútil. Eles nos ajudam a tocar e a aprofundar hoje a fé de sempre através dos diversos resumos que dela têm sido feitos.” (CIC § 193)
Falando do Credo, São Cirilo de Jerusalém (315-386), assim se expressa nas Cathecheses illuminandorum(5,12; PG 33, 521-524; CIC §186):
“Este símbolo da fé não foi elaborado segundo opiniões humanas, mas da Escritura inteira recolheu-se o que há de mais importante, para dar, na sua totalidade, a única doutrina da fé. E assim como a semente de mostarda contém em um pequeníssimo grão um grande número de ramos, da mesma forma este resumo da fé encerra em algumas palavras todo o conhecimento da verdadeira piedade contida no Antigo e no Novo Testamento”.
Também o Papa Paulo VI, em 1968, achou oportuno fazer a soleníssima Profissão de Fé, no encerramento do Ano da Fé, que aqui publicamos conforme foi publicado no L’Osservatore Romano, 1-2 de julho de 1968.
De fato este Credo do Povo de Deus é um marco da maior importância. Quem o aceita plenamente e o vive de todo o coração, é de fato católico; caso contrário, não será, ainda que afirme ser católico. Na verdade, o Papa Paulo VI quis colocá-lo como um farol e uma âncora para a Igreja caminhar nos tempos difíceis de vivemos, por entre tantas falsas doutrinas e falsos profetas, que se misturam sorrateiramente como o joio no meio do trigo, mesmo dentro da Igreja.
Ao apresentar a sua Profissão de Fé, o Papa Paulo VI disse que a sua intenção era a de cumprir a missão petrina, dada por Jesus, de “confirmar os irmãos na fé” (Lc 22,32), que “sem ser uma definição dogmática propriamente dita, repete substancialmente (…), o Credo da imortal Tradição da Santa Igreja”.
O Papa justificou a apresentação da Profissão de Fé, em vista da “inquietação que agita certos meios modernos, em relação à fé”, diante deste mundo que põe em “discussão tantas certezas”. O Papa não deixa de dizer que preocupa-o “que até católicos se deixam dominar por uma espécie de sede de mudança e de novidade”.
São Paulo, há cerca de 1950 anos atrás, já tinha falado a Timóteo desta “sede de novidades”, que acaba levando muitos católicos para o caminho do erro:
“O Espírito diz expressamente que nos tempos vindouros, alguns hão de apostatar da fé, dando ouvidos a espíritos embusteiros e a doutrinas diabólicas, de hipócritas e impostores (…).” (1Tm 4,7).
“Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pela curiosidade de escutar novidades, ajuntarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas.” (2Tm 4,7)
Paulo VI fala também daqueles que atentam “contra os ensinamentos da doutrina cristã”, causando “perturbação e perplexidade em muitas almas fiéis, como se pode verificar nos dias de hoje”. Assim, fica claro que o Papa quis com a sua Profissão de Fé corrigir erros de doutrina surgidos após o Concílio Vaticano II, às vezes por interpretação errada de suas intenções. Preocupa o Papa as “hipóteses arbitrárias” e subjetivas que são usadas por alguns, mesmo teólogos, para uma interpretação da Revelação divina (hermenêutica), em discordância da autêntica interpretação dada pelo Magistério da Igreja.
Na apresentação do Credo, o Papa conclui dizendo:
“Queremos que a nossa Profissão de Fé seja bastante completa e explícita para responder, de maneira adequada, à necessidade de luz que tantas almas fiéis sentem, e que experimentam também todos os que, no mundo, seja qual for a família espiritual a que pertençam, estão em situação de procura da Verdade”.
Sabemos que é a Verdade que nos leva à salvação. São Paulo, como já citamos acima, fala da “sã doutrina da salvação” (2 Tm 4,7), e afirma que “a Igreja é a coluna e o fundamento da verdade” (1Tm 3,15). Na mesma Carta a Timóteo, Paulo alerta o seu fiel discípulo, bispo de Éfeso, que “Deus quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4).
Note que para o Apóstolo, a “salvação” e o “conhecimento da verdade” são coisas conexas. Quando ele fala aos tessalonicenses sobre a grande provação que a Igreja deve passar antes da volta de Jesus, as terríveis seduções do homem da iniquidade, com as armas de satanás, ele diz que os que se perderem terão como causa não terem se apegado à verdade que salva.
“Ele usará de todas as seduções do mal com aqueles que se perdem por não terem cultivado o amor à verdade que os teria podido salvar”. (2Ts 2, 10)
“Desse modo serão julgados e condenados todos os que não deram crédito à verdade, mas consentiram no mal”. (2Ts 2,12)
Enfim, o Apóstolo exorta os tessalonicenses: “ficai firmes e conservai os ensinamentos que de nós aprendestes, seja por palavras, seja por carta nossa”. (2Ts 2,15)
Claramente notamos que a preocupação do Apóstolo é manter os fiéis firmes na verdade ensinada pela Igreja, seja de maneira oral (Tradição), seja por escrito.
Jesus é a Verdade (Jo 14,6) e disse que a Verdade nos libertará (Jo 8, 32). O Credo do Povo de Deus é mais uma das inúmeras maneiras que a Igreja usa para manter o Rebanho do Senhor no caminho da verdade que liberta e salva.
Quando o Papa João Paulo II apresentou o Catecismo da Igreja Católica, através da Constituição Apostólica “Fidei Depósitum”, fez questão de dizer, logo no início:
“Guardar o depósito da fé é a missão que Cristo confiou à sua Igreja e que ela cumpre em todos os tempos”.
De fato, em todos os tempos – já vinte séculos – a Igreja cumpre bem este mandato do Senhor, assistida pelo Espírito Santo, não permitindo que se corrompa o “depósito da fé”. Vinte e um concílios ecumênicos foram realizados nestes dois mil anos, a maioria deles a fim de debelar as heresias que ameaçavam o sagrado depósito da verdade que o Senhor confiou à sua Igreja. E, como essas ameaças à fé são contínuas, a Igreja não cessa de chamar os seus filhos a viverem de acordo com a autêntica verdade que Paulo VI ensina na sua solene Profissão de Fé.
Com alegria entregamos aos nossos leitores esse Credo, tão profundo e detalhado, para que fique claro aos nossos olhos a verdade da nossa fé.
Que, vivendo a “obediência da fé” (Rm 1,5), fiéis e submissos à Santa Igreja e ao Sagrado Magistério, possamos chegar todos à salvação; pois, como diz o Apóstolo, “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11,6), já que o “justo vive pela fé” ( Rm 1,17).
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Prof. Felipe Aquino
Fonte: http://cleofas.com.br/o-que-e-o-credo/
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